05 outubro, 2008

CONFERÊNCIA

DE PORTUGAL AO SUL DO BRASIL – PARA ALÉM DO PRECONCEITO

A construção da identidade de um povo é fruto das constantes transformações, quase sempre, acompanhadas de conflitos, em que valores morais e sociais se justapõem, produzindo esteriótipos culturais, conhecidos por preconceitos.

Na construção da identidade Sul Brasileira, mas que em qualquer outra região do Brasil, tais conflitos são ainda latentes, refletindo a multiculturalidade regional.

A presença de valores lusófonos, no contexto sociocultural regional, gerou desde logo, conflitos, entre os diferentes grupos étnicos- culturais, habitantes da região Sul.

A língua corrente falada, um português, com identidade própria, que incorporou substratos de muitas línguas e regionalismos, transformou-se no caudal básico desta força lusitana, que também é vista com resistência por muitos, que prefeririam falar oficialmente a língua de seus antepassados.

A construção desta identidade Sul Brasileira, foi fruto de um caminhar de muitos séculos, em que os esteriótipos, étnicos- culturais, estiveram permanentemente presentes. Ora percebidos de forma clara, em face dos conflitos abertos, em outros momentos, escamoteados, fluindo subterraneamente, nas camadas sociais, em maior grau em umas e em menor em outras.

A chegada portuguesa no Novo Mundo, a partir do final do século XV, com princípios morais - sociais diferenciados dos habitantes da região, marcou o início de um processo de choques culturais, em que os sentimentos de resistências pela outra cultura, esteve presente desde que tais relações foram iniciadas.

Os índios, tradicionais habitantes da região, de um lado, os portugueses e demais povos europeus, africanos e asiáticos do outro e destes entre si, iniciaram uma luta pela sobrevivência e ou, imposição cultural que ainda está em movimento.

A visão do dominado e do dominador, passou a fluir entre os envolvidos no processo sociocultural, iniciado com a europeização da América, como um dos esteriótipos mais fortes e que geraram maiores rancores e conseqüentemente intolerância, entre os envolvidos.

Os Portugueses, na condição de dominador, impuseram seus valores étnicos - culturais, tendo como carro - chefe a língua portuguesa, ainda que, assumindo contornos micro-regionais, que a distanciou da língua original falada em Portugal.

Envolvendo e sendo envolvidos, os portugueses foram avançando no território nacional, marcando de forma objetiva e concreta a sua presença de cultura dominadora.

Incorporou, ao longo das diversas regiões valores das populações locais, que os interessava, eliminando ou transformando outros que lhes eram conflitantes sócio - culturalmente.

Os valores morais cristãos, que marcaram a estrutura funcional do Estado Português, tornaram a Igreja Católica Romana, no principal braço da ação “ romanizadora” empreendida pelos portugueses na América, gerando culturas regionais, marcadas por profundos sentimentos profanos- religiosos.

Os conflitos entre os portugueses e os brasileiros, não cessaram com a independência do Brasil, ao contrário se acirraram, pois ao lado do desejo de perpetuar a cultura Greco- Romana, fundamento da Civilização Ocidental Cristã, que os portugueses tinham sido introdutores, surgem os sentimentos de brasilidade, que estimula o afastamento entre os Colonizadores e Colonizados.

A realidade desta dinâmica cultural atritiva chega aos dias de hoje, com marcas diferenciadas, a cada região brasileira.

O sul do Brasil, por abrigar descendentes de inúmeras etnias, que ainda mantem fortes suas origens, as possibilidades de preconceitos entre estes e os descendentes de portugueses foram mais acentuada. Os últimos são responsabilizados pela política oficial de nacionalização dos imigrantes durante a Segunda Guerra Mundial, que resultou em perseguições e rancores.

Estes preconceitos são diversas ordens, aflorando em diversos momentos, em que verificou-se, a aproximação entre estas diferentes culturas.

Na obra DE PORTUGAL AO SUL DO BRASIL – 500 ANOS – HISTÓRIA, CULTURA E TURISMO, EDIÇÃO DA AUTOR, 2002, abordou-se estas questões, para avançar, num segundo momento, no estabelecimento das pontes históricas e culturais, que unem estas regiões no espaço e no tempo.

Clique na figura acima para obter dados sobre o livro

No livro, no capítulo 9, são citados diversos casos de esteríotipos culturais resultantes do contato entre ítalo- germânicos e luso-brasileiros, vamos transcrever um deles:

O HOMEM DO LITORAL É MALANDRO, PREGUIÇOSO, NÃO QUER TRABALHAR

Será que isto é verdade? Como se formou este juízo de valor?

Os primeiros ítalos – germânicos que chegaram no litoral defrontaram-se com pescadores- agricultores “ que estavam na venda por volta de 4 a 5 horas da tarde tomando uns tragos e contando causo”. Ficaram chocados, pois eram acostumados a trabalhar durante todo o período diurno, haja visto que vinham basicamente de centro urbanos acostumados aos horários comerciais- industriais. Malandros preguiçosos, foi a conclusão tirada.

No entanto, este grave erro não reflete a realidade de trabalho desses homens, que lutam duramente sem ir para a casa desde o amanhecer do dia até meia tarde.

Por que o pescador- agricultor estava na venda no final da tarde?

Era a esta hora que conseguia fugir do seu ritmo de trabalho diário, pois não podia frequentar a venda no período noturno, já que dormia muito cedo( por volta das 8 horas da noite).

Os que viveram da pesca ou conviveram com os pescadores artesanais tradicionais, hoje em pequeno número no litoral catarinense, sabem que o dia de trabalho começa por volta das 5:00 horas da madrugada no inverno e 4:00 horas no verão, quando seguia para o rancho da pesca, pois antes do raiar do dia tinha que lançar a embarcação ao mar.

Acordava cedo, seguia neste ritmo de trabalho, sem interrupção para almoço em casa, até às 14:00 ou 15:00 horas, dependendo das condições de pesca e da agricultura. Trabalhava, portanto, entre 10 a 12 horas seguidas comendo normalmente pão, água, peixe frio com farinha, alguma fruta da estação, e quando era possível tomava café cabeludo( café fervido com água, que para baixar o pó se colocava brasa na lata). Muitos dias tinha que remar por horas seguidas, pois a calmaria não impulsionava as velas de pano, e não existiam praticamente embarcações a motor, quando estes primeiros veranistas chegaram ao litoral.

Malandro, hein! Coitado! Com certeza, trabalhava muito mais horas por dia que seus críticos linguarudos”.

Estes esteríotipos que os italo- germânicos atribuiam aos luso – brasileiros do litoral, não é muito diferente dos,que os brasileiros dizem dos portugueses., apresentados, em parte no capítulo 1o da obra.

“A visão simultânea de brasileiros e portugueses sobre estas duas nações exige antes de tudo mostrar as impressões e conhecimentos recíprocos contidas de um lado e de outro do Atlântico sobre a nação do vizinho".

Parece pouco significativo estas impressões no contexto de uma obra que se propõe a ser ponte na dimensão histórica-cultural destes dois países. No entanto, se reveste de grande significado, pois o desconhecimento e preconceitos recíprocos tornam Portugal e Brasil duas nações tão ou mais deconhecidas entre seus habitantes que outras nações de menor laços históricos e afetivos.

Partilhar estas diferenças, semelhanças e preconceitos é a primeira e importante tarefa que temos, para visualizar a importância que tem a cultura Lusófona para a própria existência destas nações. Entenda-se aqui Cultura Lusófona como sendo a cultura de origem portuguesa que existe com variações regionais nas diversas partes do globo, dentre elas as diferentes variações existentes no imenso Brasil.

Para abordar a questão de maneira prática e objetiva, faz-se necessário colocar-se ás posições de diversos brasileiros, que com menor ou maior grau de informações fazem juízo de valores sobre a nação portuguesa. Portanto, visualizar Portugal, em suas especificidades, em contraste com as visões distorcidas, em maior ou menor grau, por parte dos brasileiros, é mostrar que a falta de informações, associado a preconceitos, podem causar prejuízo nas relações entre brasileiros e portugueses, seja no Brasil ou em Portugal, com reflexos no fluxo turístico entre as regiões.

Algumas impressões colhidas expressam a abragência da desinformação e do preconceito, outras refletem situações verdadeiras que precisam ser consideradas.

-“Portugal é uma nação atrasada, que só exporta bacalhau e vinho do Porto, que não me interessa conhecer”

-“Os portugueses foram uns exploradores que levaram tudo que puderam do Brasil, impedindo nosso desenvolvimento, agora que somos fortes, que fiquem pobres, prefiro gastar em outras bandas.”

-“Se os holandeses ou ingleses tivessem descoberto e colonizado o Brasil não seríamos a nação atrasada que somos.”

-“Os portugueses só servem para se fazer piadas, de tão atrasados que são.”

-“Tenho vergonha de ser de origem portuguesa pois trouxeram a malandragem e a perguiça para nossa terra, que só não é mais atrasada graças aos alemães e italianos, que com seu trabalho geraram o desenvolvimento.”

-“Olha bem quem são os descendentes de portugueses-açorianos no sul do Brasil - são os pobres coitados que vivem na miséria, mal tendo o que comer, mas que não querem trabalhar no pesado.”

-“Os portugueses não gostam dos brasileiros em Portugal porque são incapazes de competir com os profissionais brasileiros que lá vão trabalhar.”

-“São os portugueses mal-educados e arrogantes, como se tivessem com o rei na barriga, se esquecendo que hoje nós somos a grande nação e eles um paizinho insignificante.”

-“Não vou visitar um país atrasado, mesmo sendo de origem portuguesa, prefiro ver a França, a Alemanha, Itália e Espanha que são muito mais bonitos e organizados.”

As várias colocações e outras tantas aqui não expressas, evidenciam o rancor preconceituoso por parte de diferentes segmentos da sociedade brasileira movidos por razões notadamente dos resquícios da época Brasil-colônia. Para se compreender a realidade portuguesa atual e os preconceitos que cercam as relações entre brasileiros e portugueses, tem-se que mostrar dados concretos que identifiquem o conservador, o moderno e as potencialidades portuguesas, frente ao contexto mundial. Notadamente, o mundo lusófono, reflete valores e necessidades diferenciadas em relação a Portugal, que ainda é valorizada no papel de super-mãe, esquecendo que Portugal é uma pequena nação em acelerado crescimento, com ritmos diferentes de desenvolvimento ao longo do seu território.

Portugal internamente é uma nação de equilíbrio econômico tênue, em que as necessidade de investimentos maciços em infra-estrutura faz com que o setor social seja prejudicado.

De um lado, gera um excedente de mão-de-obra semi-especializada que se desloca para trabalhar na comunidade européia em busca de melhores salários e procura na emigração novas possibilidades. Por outro lado, atrai grande contingente de mão-obra igualmente semi-especializada, proveniente principamente do mundo lusófono africano, asiático e americano e das nações do leste europeu, que recompõe este quadro de mão-de-obra semi-especializada, notadamente na construção civil e atividades ligados a prestações de serviço diversos, que crescem em rítmo acelerado em Porutgal.

Soma-se a este conjunto de imigrantes não-especializados, que a cada ano flui aos milhares, para a pátria-mãe européia, um volume menor de mão-de-obra especializada que encontra mercado para o exercício de sua profissão, neste caso, em disputa acirrada com a mão-obra-local. Dentistas, médicos, engenheiros e especialistas em informática., se enquadram neste tipo de mão –de- obra.

Hoje Portugal possui uma área territorial de 88.694 km², distribuida entre o continente europeu (85.500 km²) e os arquipélagos oceânicos dos Açores (2.344 km²) e da Madeira (800 km²), onde vive uma população de 10.318.084 habitantes, censo de 2001 , com a densidade demográfica de aproximadamente 116,33 hab/km², com a distribuição regional que segue :

O Brasil a ser visto por portugueses

Ao visitar Portugal por três vezes e manter contato com portugueses ao longo de dezenas de anos, percebi que existem limitações de informações sobre o Brasil em Portugal a par de serem muitos os parentes que aqui vivem. Quanto ao sul do Brasil esta visualização é quase nula..

Contribui para este quadro de distorções:

O gigantismo do Brasil

As informações distorcidas que em muitos momentos são repassadas pela mídia, inclusive pelas novelas, preocupada quase sempre com o sensasionalismo e a audiência a qualquer custo.

A arrogância, desprezo, e ao mesmo tempo fascínio que o Brasil produz na tradicional elite portuguesa.

O desenvolvimento de uma cultura lusófona específica, que em muitos aspectos se distanciou da cultura existente em Portugal, principalmente no campo da língua escrita e falada.

Por todos estes pontos é importante se esclarecer e alertar para alguns dados que podem evitar constrangimentos ou mal-entendidos.

1 - O Brasil é o 5o país do mundo em extensão, possuindo uma área territorial de 8.547.403,5 (oito milhões quinhentos e quarenta e sete mil quatrocentos e tres e meio) Km2, onde vive uma população de 169.590.693 (cento e sessenta e nove milhões quinhentos e noventa mil quatrocentos e tres e meio quilômtros quadrados) de habitantes, portanto 90 vezes a área de Portugal e 17 vezes a sua população.”

Os números indicam uma nação gigantesca, com problemas nas mesmas proporções, que perpassam pelas mentalidades de seus diversos segmentos sociais.

Os portugueses e seus descendentes, fundidos com as diversas etnias, ao longo dos 500 anos de Brasil, estão presentes, seguramente, em 70% da população nacional.

Para além dos preconceitos, exitem no sul do Brasil, um número significativo de traços e práticas culturais que unem no espaço e tempo Portugal e o sul do Brasil.

Na arquitetura, com os casarios luso-brasileiros. Na religiosidade, inúmeras festas e preceitos religiosos, que desafiando ao tempo, mantem-se com fortes iriginalidades. As práticas da quaresma, as procissões de Corpus Cristi e Passos , as festas do Espírito Santo; a prática do luto e da coberta d’alma. Nas cantorias, danças e folguedos, destacam-se o fandango, a dança de São Gonçalo, os ternos de reis, as cantorias do divino , a ratoeira, o boi de mamão, a farra do boi, as jardineiras. Na literatura popular, o pão-por-Deus, o pasquim, as quadras. Na medicina popular, o curandeirismo, as benzeduras e as ervas e unguentos. Na gastronomia, muitos pratos, principalmente com uso de peixe e carne de gado. Nos técnicas de produções e equipamentos, engenhos de farinha, de açúcar e aguardente; os teares manuais, as lanchas baleiras. Um conjunto de práticas, que precisam ser valorizadas enquanto expressão cultural.

Mostrar a esta gigantesca população, que as suas raizes são fortes e motivo de orgulho, é a primeira e grande missão dos amantes da cultura lusófona.

Quanto aos preconceitos, é preciso ser tolerante, sem ser indiferente, procurando mostrar que os valores da cultura lusófona, e os homens que a praticam nos vários pontos do globo, consideram-se únicos, precisando ser estimulados, para continuarem mantendo seus valores tradicionais.

Portugal, continuará sendo a grande Pátria da cultura lusófona, berço de grandes intelectuais como Camões, Gil Vicente, Vitorino Nemésio, Fernando Pessoa e tantos outros homens de letras que inspiraram econtinuam a inspirar a alma lusitana.

Unir no espaço e no tempo estes laços de lusitanidade, envolvendo o Sul do Brasil e Portugal, é avançar para além dos preconceitos, descortinando um leque de possibilidades, com efetivas trocas de experências, que passa pelo desenvolvimento das atividades turísticas entre as regiões.

O desafio é de todos. Um povo que não ama a sua cultura, não se respeita.

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1 Comments:

Anonymous Anônimo disse...

Fica até difícil de aceitar que com toda a informação que temos hoje, tanto contato com o mundo inteiro seja por televisão ou internet, ainda exista tanto preconceito e "rotulagem" sobre coisas tão simples

=(

segunda-feira, 06 outubro, 2008  

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